São Francisco de Sales, … nos apresenta o mais fiel retrato da caridade cristã, nasceu aos 21 de agosto de 1567, oriundo de nobre família, no castelo de Sales, na Sabóia, hoje França. Até aos 17 anos o jovem Francisco passou a feliz adolescência sob os cuidados de seus pais, Francisco de Sales e Francisco de Sionas. Só então é que foi cursar as aulas do colégio de Annecy.
Em 1578 dirigiu-se a Paris, a fim de estudar retórica e filosofia, sob a direção dos padre da Companhia de Jesus, e em 1584 foi terminar os estudos na Universidade de Pádua, doutorando-se em teologia e direito. Mesmo diante das multiplas ciladas que lhe armara a sua estadia em Paris e em Pádua, o seu coração permaneceu puro e intacto, ligando-se até por um voto perpétuo de castidade, levado do grande amor de Deus que o inflamava. Ao regressar ao lar paterno, esperavam seus pais que contraíssem núpcias e iniciasse uma carreira de honrarias e dignidades no mundo.
Francisco, porém, já tinha decidido dedicar-se ao estado eclesiástico e viver unicamente para Deus…e aos 18 de dezembro de 1593 recebeu o sacerdócio das mãos do bispo de Genebra, Dom Cláudio Granier.
Em 1602, depois de um retiro espiritual de 20 dias, Francisco foi sagrado bispo de Genebra, diocese essa que se tornou até a sua morte a arena de muitas lutas e trabalhos em prol das ovelhas do rebanho de Cristo. A custa de muita abnegação tornava-se tudo para todos, a fim de ganhar a todos para Jesus Cristo. Uma caridade santa e sempre igual, que se manifestava principalmente para com os clérigos subalternos e para com os pobres e desamparados, uma humildade e simplicidade de coração inexcedíveis, uma mansidão e paciência inalteráveis com todas vicissitudes da vida – eis aí os seus traços mais característicos.
A Congregação das Visitandinas, fundada por ele juntamente com Santa Francisca de Chantal, sua filha espiritual, é um monumento perene de seu espírito belíssimo e de seu coração todo terno e compassivo.(p.9-11)
Misericórdia para si mesmo
Ah! que pena me fazem aquelas pessoas que, por serem cheias de imperfeições, depois de alguns meses de devoção, começam a inquietar-se e perturbar-se, já quase a sucumbir a tentação de deixar tudo e tornar atrás. (p.34)
Ora, as imperfeições e as faltas veniais não nos podem tirar a vida espiritual da graça, de que só o pecado mortal nos priva; portanto, o que temos de temer aí é a perda da coragem. (p.35-36)
A mansidão para conosco; Um modo de fazer um bom uso desta virtude é aplicá-la a nós mesmos, não nos irritando contra nós e nossas imperfeições;…Além de que esta ira, pesar e aborrecimento contra si mesmo encaminham ao orgulho, procede do amor próprio que se perturba e inquieta por nos ver tão imperfeitos. (p.176)
Confissão
Conserva sempre uma verdadeira dor dos pecados confessados, por menores que sejam, e uma firme resolução de corrigir-te. (p.123)
O arrependimento de nossas faltas deve ter duas qualidades: a tranqüilidade e a firmeza. (p.176)
A paciência
Não limites a tua paciência a alguns sofrimentos, mas estende-a universalmente a tudo o que Deus mandar ou permitir que venha sobre ti. (p.146)
O homem verdadeiramente paciente tolera com a mesma igualdade de espírito os sofrimentos ignominiosos como os que trazem honra. O desprezo, a censura e a deseducação dum homem vicioso e libertino é um prazer para uma alma grande; mas sofrer esses maus tratos de gente de bem, de seus amigos e parente é uma paciência heróica…pois, como as ferroadas das abelhas doem muito mais que as das moscas, assim as contradições procedentes de gente de bem magoam muito mais do que as que provêm de homens viciosos. (p.146-147)
A paciência nos obriga a querer estar doentes, como Deus quiser, da enfermidade que Ele quiser, no lugar onde Ele quiser, com as pessoas e com todos os incômodos que Ele quiser; e eis aí a regra geral da paciência…Sou do parecer de São Gregório que diz: “Se te acusarem de uma falta verdadeira, humilha-te e confessa que mereces muito mais que esta confusão. Se a acusação é falsa, justifica-te com toda a calma, porque o exigem o amor a verdade e a edificação do próximo. Mas, se tua escusa não for aceita, não te perturbes, nem te esforces debalde para provar a tua inocência, porque, além dos deveres da verdade, deves cumprir também o da humildade. (p.148)
Queixa-te o menos possível do mal que te fizeram; pois queixar-se sem pecar é uma coisa raríssima; nosso amor-próprio sempre exagera aos nossos olhos e ao nosso coração as injurias que recebemos. Se houver necessidade de te queixares ou para abrandar o teu espírito ou para pedir conselhos, não o faças a pessoas fáceis de exaltar-se e de pensar e falar mal dos outros. (p.148-149)
Muitos numa doença ou numa outra tribulação qualquer guardam-se de se queixar e mostrar a sua pouca virtude, sabendo bem (e isto é verdade) que seria fraqueza e falta de generosidade; mas procuram que outros se compadeçam deles, se queixem de seus sofrimentos e ainda por cima os louvem por sua paciência. Na verdade temos aqui um ato de paciência, mas certamente duma paciência falsa, que na realidade não passa de um orgulho muito sutil e de uma vaidade refinada…Os cristãos verdadeiramente pacientes não se queixam de seus sofrimentos nem desejam que os outros os lamentem; (p.149)
Se caíres numa doença, oferece tuas dores, a tua prostração e todos os teus sofrimentos a Jesus Cristo, suplicando-lhe de os aceitar em união com os merecimentos de sua paixão. (p.150)
A humildade
O homem verdadeiramente humilde gostará mais que os outros digam dele que é um miserável, que nada é e nada vale, do que de o dizer por si mesmo; ao menos, se sabem que assim dele, sofre com paciência e, como está persuadido que é verdade o que dizem, facilmente se conforma com esses juízos, aliás iguais aos seus. (p.158)
A perfeição da humildade, porém, consiste não só em reconhecermos a nossa abjeção, mas também em amá-la e comprazer-nos nela, não por pouca pobreza de animo e pusilanimidade, mas em vista da glória que devemos dedicar ao nosso próximo, preferindo-o a nós mesmos. (p.162)
A mansidão
Portanto, se disserem que és um hipócrita, porque vives cristãmente, ou um covarde porque perdoaste a injuria que o próximo te fez, despreza semelhantes juízos; pois, além de virem de gente néscia e por muitas razões desprezível, seria necessário abandonar a virtude para conservar a reputação. Os frutos das árvores valem mais do que as folhas; nós devemos preferir os bens interiores aos bens exteriores.
A humildade verdadeira e a mansidão sincera são esplêndidos preservativos contra o orgulho e a ira que as injurias costumam excitar em nós, como esse preservativo que o povo denominou “graça de São Paulo”, que faz quem o tomou nada sofra se for mordido ou picado por um víbora. (p.172)
É melhor diz Santo Agostinho…fechar inteiramente a entrada do coração à cólera, por mais justa que seja, porque ela lança raízes tão profundas que é muito difícil de arrancá-las. (p.173)
Demais, quando estás com o animo calmo e sem motivo algum de irritar-te, faze um provimento de brandura e benignidade, acostumando-te a falar e a agir sempre com este espírito, tanto em coisas grandes como pequenas; (p.175)
Isso nos mostra que a brandura com o próximo deve residir no coração e não só nos lábios, e que não é bastante ter a doçura do mel, que exala um cheiro agradável, isto é, a suavidade duma conversa honesta com pessoas estranhas, mas devemos ter também a doçura do leite no lar doméstico, para com os parentes e vizinhos. É o que falta a muitas pessoas, que fora de casa parecem anjos e em casa vivem como verdadeiros demônios. (p.176)
Providência Divina
Na aquisição e manutenção dos bens terrestres, imita as crianças que, segurando-se com uma mão na mão de seu pai, com a outra se divertem em colher frutos e flores; quero dizer que te deves conservar continuamente debaixo da dependência e da proteção de teu Pai celeste, considerando que Ele te segura pela mão, com diz a Sagrada Escritura, para te conduzir felizmente ao termo de tua vida e volvendo de tempos em tempos os olhos para Ele, a ver se tuas ocupações lhe são agradáveis; toma principalmente cuidado que a cobiça de ajuntar maiores bens não te faça largar a sua mão e negligenciar a sua proteção, não poderás dar um passo sequer que não caias com o nariz no chão. (p.181)
A obediência
Para aprender a obedecer com facilidade aos superiores, acostuma a te acomodares de bom grado com a vontade dos teus iguais, conformando-te aos seus sentimentos sem espírito de contestação, se não houver aí alguma coisa de mal; (p.184)
A castidade
Ora, como aquele preceito – “Irai-vos e não pequeis” é no meu entender mais difícil que o outro – “Não vos irei nunca”, por ser bem mais fácil evitar a raiva, do que regrá-la, assim também é mais fácil a abstenção total dos prazeres carnais do que a moderação deles. É certo que a santa licença que o matrimonio confere tem uma força e virtude particular para apagar a concupiscência, mas a fraqueza dos que usam dela passa facilmente da permissão a dissolução, do uso ao abuso. (p.188)
Viu Santa Catarina de Sena muitos condenados ao inferno sofrendo atrozmente pelas faltas contra a santidade matrimonial. E isso, dizia ela, não tanto pela enormidade do pecado, porque assassinos e blasfêmias são pecados muito maiores, mas porque os que caem naqueles não tem escrúpulos e continuam assim a cometê-los por muito tempo. (p.188-189)
A castidade é necessária para todos os estados. Segui em paz com todos – diz o apostolo – e a santidade sem a qual ninguém verá a Deus. Ora, é de notar que por santidade ele entende aqui a castidade…ninguém verá a Deus sem a castidade; em seus santos tabernáculos não habitará ninguém que não tenha o coração puro e, como diz Nosso Senhor… “Bem aventurados os limpos de coração, porque eles verão a Deus”. (p.189)
Estejas sempre de sobreaviso para afastar logo de ti tudo que possa te inclinar a sensualidade; pois este mal se vai alastrando insensivelmente e de pequenos princípios faz rápidos progressos. Numa palavra, é mais fácil fugir-lhe que curá-lo. (p.189)
Nunca trates com pessoa de indubitáveis costumes corrompidos, sobretudo se forem também imprudentes, como quase o sempre o são…Ao contrário, procura a companhia de pessoas castas e virtuosas; ocupa-te muitas vezes com a leitura da Sagrada Escritura; porque a palavra de Deus é casta e torna castos os que a amam…se teu coração descansar em Nosso Senhor,que é realmente o Cordeiro imaculado, bem depressa purificarás tua alma, teu coração e teus sentidos, inteiramente, de todos os prazeres sensuais. (p.191)
Discurso contra a avareza
Ninguém confessa que é avarento, todos aborrecem essa vileza do coração. Escusam-se pelo número crescido dos filhos, alegando regras de prudência, que exigem um fundo firme e suficiente. Nunca se tem bens demais e sempre se acham novas necessidades para ajuntar ainda mais. O mais avarento nunca crê em sua consciência que o é. A avareza é uma febre esquisita, que tanto mais se torna imperceptível quanto mais violenta e ardente se torna. (p.193)
Se desejas com ardor e inquietação e por muito tempo os bens que não possuis, crê-me que és avarento, embora digas que não queres possuir injustamente; do mesmo modo que um doente que deseja beber um pouco d’água com ardor, inquietação e por muito tempo, esta mostrando com isso que tem febre, embora só queira beber água. (p.193)
Se amas os bens que possuis, se eles ocupam teu pensamento com ansiedade, se teu espírito anda sempre aí de envolta, se teu coração se apega a eles, se sentes um medo muito vivo e inquieto de perdê-los, crê-me que ainda estás com febre e o fogo da avareza ainda não estás extinto em ti; (p.194)
Não prendas o coração em bem algum teu; não te entristeças nunca das perdas que sobrevierem; (p.195)
Os bens que temos não nos pertencem e Deus, que os confiou à nossa administração, quer que os façamos frutuosos; é portanto, prestar um serviço agradável a Deus cuidar deles com diligência, mas este cuidado há de ser muito mais acurado e maior que o das pessoas do mundo, porque elas trabalham por amor delas mesmas e nós devemos trabalhar por amor de Deus. (p.196)
Quando nosso coração se prende aos bens, se a tempestade ou o ladrão…nos arranca alguma parte deles, que de prantos, que de aflições, quanta impaciência. Mas, quando lhes damos o cuidado que Deus quer que tenhamos e não o coração, se o perdemos, por acaso, de modo algum perderemos a razão e a tranqüilidade. (p.200)
A pobreza
Reserva frequentemente uma parte de teus bens para empregá-la em favor dos pobres. Dar um tanto do que se possui é empobrecer um outro tanto, e quanto mais se da tanto mais se empobrece. (p.197)
Se amas os pobres, deve ter gosto de te achares entre eles, de os ver em tua casa, de os visitar em suas casas, de falar com eles, de os ter perto de ti, na igreja, nas ruas, e em outras partes. Sê pobre ao falar com eles, conformando-te à sua linguagem, como um igual com seu igual; mas sê rico em lhe estender a mão, fazendo-os participar do que Deus te concedeu mais do que eles. (p.197)
Não te contente em ser pobres com os pobres, mas sê ainda mais pobres do que eles. E como assim? hás de perguntar-me. Já vou me explicar: não duvidas de certo que o servo é inferior ao seu dono; entrega-te, pois, ao serviço dos pobres; assiste-os junto ao leito e com tuas próprias mãos, se estão doentes; prepara-lhes a comida à tua própria custa… (p.198)
Nunca me sacio de admirar o zelo de São Luís, um dos maiores reis que o sol jamais viu; e um grande rei, digo, em todo o gênero das grandezas. Servia frequentemente à mesa dos pobres que alimentava e quase todos os dias mandava assentarem-se dois ou três a sua própria; muitas vezes comia o que os pobres deixavam, com um amor incrível por eles e por sua condição. Visitava amiúdo os hospitais e serviam de preferência aos enfermos que tinham uma doença mais asquerosa, como os leprosos, os ulcerosos…e era de joelhos e com a fronte descoberta que lhes prestava estes serviços, respeitando neles a pessoa de Nosso Senhor e amando-os com um amor tão terno como uma mãe a seus filhos….Bem aventurados os aqueles são assim pobres, porque o reino dos céus lhe pertence. Tive fome e me destes de comer, dir-lhe-ás o Rei dos pobres e dos reis no dia tremendo do juízo final. Estava nu e me vestistes; possui o reino que vos está preparado desde o começo do mundo. (p.198)
Tal é em geral a pobreza das pessoas que vivem no mundo; como não são pobres por própria escolha, mas por necessidade, não se faz caso delas e por isso a sua pobreza é mais pobre que a dos religiosos, conquanto esta tenha uma excelência e merecimentos particulares, em vista da escolha feita e do voto pelo qual se adstringem a ela. (p.203)
Não te envergonhes de ser pobre nem de pedir esmolas por amor de Deus; recebe com humildade o que te derem e sofre com mansidão o que te recusarem. (p.203)
Falsas amizades
O mais perigoso de todos os amores é a amizade, porque os outros amores podem afinal existir sem se comunicar; mas a amizade é fundada essencialmente nesta relação entre duas pessoas, sendo quase impossível que as suas boas e as suas más qualidades não passem de uma para outra. (p.208)
Com efeito, quantas moças, mulheres e jovens dizem com toda a seriedade: Na verdade aquele senhor tem um grande merecimento, porque dança,..sabe a fundo todos os jogos, canta…tem um gosto para a elegância de vestir-se,…Que juízos Filotéia! Deste modo julgam os charlatães entre eles que os maiores tolos são os homens mais perfeitos. Como tudo isso diz respeito aos sentidos, as amizades daí originárias se chamam sensuais e mais merecem o nome dum divertimento vão que amizade…Por isso, tais amizades passam e se desfazem logo como a neve sob a ação do sol. (p.205)
Estes namoros causam os mesmo estragos na alma, porque a ocupam de tal modo, e empucham tão poderosamente os seus movimentos, que ela fica inepta e inábil para qualquer obra boa: as folhas, isto é, as conversas, divertimentos e galanteios são tão freqüentes, que fazem perder todo o tempo. E finalmente atraem tantas tentações, distrações, suspeitas e outras conseqüências, que o coração fica todo pisado e corrompido. Numa palavra, estes namoros não só desterram o amor celestial, mas também o temor de Deus, enervam o espírito, fazem desvanecer a reputação…(p.209-210)
Também quanto às amizades é preciso muito cuidado, para não nos enganarmos, principalmente tratando-se de uma pessoa de sexo diverso, por melhores que sejam os princípios que nos unam a ela; pois o demônio tapa os olhos aos que se amam. Começa-se por um amor virtuoso; mas se não se tornarem precauções prudentes, o amor frívolo se vai misturando e depois vem o amor sensual e por fim o amor carnal. (p.214)
Cada um tem seus vícios de sobras e não precisa os dos outros; e a amizade não só não exige nada disso, mas até quer que nos auxiliemos mutuamente a corrigir os nossos defeitos. (p.222-223)
Boas amizades
Se for a religião, a devoção e o amor de Deus e o desejo da perfeição, o objeto de uma comunicação mútua e doce entre ti e as pessoas que amas, ah! então tua amizade é preciosíssima. E excelente, porque vem de Deus; excelente, porque Deus é o laço que a une, excelente, enfim, porque durará eternamente em Deus. (p.210)
Hás de ouvir talvez que não se deve consagrar afeto particular ou amizade a ninguém, porque isto ocupa por demais o coração, distrai o espírito e causa ciúmes; … Num mosteiro onde há fervor, todos visam o mesmo fim, que é a perfeição de seu estado, e por isso a manutenção das amizades particulares não pode ser tolerada aí, para precaver que, procurando alguns em particular o que é comum a todos, passem das particularidades aos partidos. Mas no mundo é necessário que àqueles que se entregam à pratica da virtude se unam por uma santa amizade, para mutuamente se animarem e conservarem nesses santos exercícios. (p.211-212)
Na religião os caminhos de Deus são fáceis e planos e os que aí vivem se assemelham a viajantes que caminham numa bela planície, sem necessitar de pedir a mão em auxílio. Mas os que vivem no século, onde há tantas dificuldades a vencer para ir Deus, se parecem com os viajantes que andam por caminhos difíceis, escabrosos e escorregadiços, precisando sustentar-se uns aos outros para caminhar com mais segurança. Não, no mundo nem todos tem o mesmo fim e o mesmo espírito e daí vem a necessidade desses laços particulares que o Espírito Santo forma e conserva nos corações que lhe querem ser fiéis. (p.212)
A perfeição, portanto, não consiste em não ter nenhuma amizade,mas em não ter nenhuma que não seja boa e santa. (p.213)
A verdadeira amizade não se pode conciliar com o pecado. (p.223)
Jejum
Se podes agüentar o jejum, fazes muito bem em jejuar um pouco mais do que a Igreja obriga, porque o jejum, além de elevar o espírito a Deus, reprime a sensualidade, facilita as virtudes e aumenta os merecimentos. (p.225)
As quartas-feiras, as sextas-feiras e os sábados foram sempre dias que os cristãos antigos tinham como dias de abstinência. (p.225)
O jejum e o trabalho abatem e enfraquecem a carne; se, pois, o teu trabalho é necessário e útil para a glória de Deus, prefiro que sofras o peso do trabalho que o do jejum. (p.226)
Temperança
Numa palavra, sobriedade moderada e constante é muito melhor que uma abstinência austera, mas repassada de intervalos de grande relaxamento. (p.228)
Tanto procurar quanto fugir a convivência com os homens são dois extremos censuráveis na devoção…o fugir é um sinal de orgulho e desprezo do próximo e o procurar é fonte de muitas coisas ociosas e inúteis… Se nada te obriga a fazer ou receber visitas, fica contigo mesmo e entretém-te com teu coração; mas, se algum motivo te impõe esses deveres, cumpre-os em nome de Deus, tratando o próximo com toda a amabilidade e caridade. (p.231)
A força da palavra
Um dos meios mais triviais que têm os médicos para conhecer o estado de saúde é a inspeção da língua; e eu posso afirmar que as nossas palavras são o indício mais certo do bom ou do mal estado da alma. Nosso Senhor disse: Por vossas palavras sereis justificados e por vossas palavras sereis condenados. (p.237)
Se amas a Deus, falarás frequentemente de Deus nas tuas conversas intimas, com as pessoas da casa, com teus amigos e vizinhos. (p.237)
Se alguém não peca por palavras, é um homem perfeito, diz São Tiago. Tem todo cuidado em não deixar sair de teus lábios alguma palavra desonesta, porque, embora não proceda duma má intenção, os que a escutam a podem interpretar de outra forma. (p.238)
Nós costumamos acusar o próximo pelas menores faltas por ele cometidas e a nós mesmos nos escusamos de outras muito grandes. Queremos vender muito caro e comprar o mais barato possível…Queremos que interpretem as nossas palavras benevolamente e com o que nos dizem somos suscetíveis em excesso….Queixamos facilmente de tudo e não queremos que ninguém se queixe de nós. Os benefícios ao próximo sempre nos parecem muitos, mas os que os outros nos fazem reputamos em nada. Numa palavra: nós temos dois corações,…um doce, caridoso e complacente para tudo que nos diz respeito e outro – duro, severo e rigoroso para com o próximo. (p.268-269)
A caridade
A caridade muito longe de ir observar o mal, teme até encontrá-lo, e se o encontra, procura evitá-lo, fazendo como se não o visse. Se ouve por alto falar de alguma coisa má, mais que depressa fecha os olhos e por sua santa simplicidade pensa que foi só uma sombra e aparência do mal. E se, coagida, tem que reconhecer a realidade dum mal, ela vira logo que pode os olhos par o outro lado e procura esquecê-lo. (p.242)
As nossas mínimas e mais insignificantes ações não lhe são menos agradáveis que as maiores e de maior brilho e que para lhe agradar é do mesmo modo necessário servir-lhe numas e noutras, podendo nós em ambas indistintamente merecer o seu amor. (p.264)
Faças tudo em nome de Deus e tudo será bem feito…em toda parte hás de merecer muito diante de Deus, se santificas bem a tua intenção de fazer tudo porque Deus quer que o faças. (p.267)
Maledicência
A inquietação, o desprezo do próximo e o orgulho são inseparáveis do juízo temerário; e, entre os muitos outros efeitos perniciosos que deles se originam, ocupa o primeiro lugar a maledicência, que é a peste das conversas e palestras. (p.247)
Nunca digas – Fulano é um bêbado, embora o tenha visto embriagado. Nem o chames adultero, por tê-lo visto neste pecado…porque uma só ação não da nome à coisa. (p.250)
Nunca podemos, pois, dizer que um homem é mau, sem perigo de mentir; o máximo que podemos dizer, se for necessário, é que cometeu tal ou tal ação má ou que tem levado uma vida má no passado…(p.251)
A regra de falar pouco, que os antigos sábios tanto recomendavam, não se toma no sentido de dizer poucas palavras, mas no de não dizer muitas inúteis, não quanto à quantidade, mas quanto à qualidade. (p.256)
Discurso contra os jogos
Os jogos de dados, de cartas e outros semelhantes, em que a vitória depende principalmente do acaso, não só são divertimentos perigosos, como a dança, mas são mesmo por sua natureza absolutamente maus e repreensíveis… Enfim, esses jogos só dão alegria, quando alguém ganha; e não será uma injusta uma alegria semelhante, que acarreta a perda e o desgosto do próximo? Na verdade uma tal alegria é indigna de um homem de bem. (p.258-259)
Discurso contra os bailes
1.Naquelas mesmas horas que passaste no baile, muitas almas se queimavam no inferno por pecados cometidos na dança ou por suas más conseqüências.
2.Muitos religiosos e pessoa piedosas nessa mesma hora estavam diante de Deus, cantando os seus louvores e contemplando a sua bondade; na verdade o seu tempo foi muito mais empregado que o teu!…
3.Enquanto dançavas, muitas pessoas se debatiam em cruel agonia, milhares de homens e mulheres sofriam dores atrocíssimas em suas casas ou nos hospitais. Ah! eles não tiveram um instante de repouso e tu não tiveste a menor compaixão deles; não pensas tu agora que um dia hás de gemer como eles, enquanto outros dançarão?!…
4.Nosso Senhor, a Santíssima Virgem, os santos e os anjos te estavam vendo no baile. Ah! quanto os desgostastes nessas horas, estando o teu coração todo ocupado com um divertimento tão fútil e tão ridículo.
5. Ah! enquanto lá estavas, o tempo se foi passando e a morte se foi aproximando de ti; considera que ela te chame para a terrível passagem do tempo para a eternidade e para uma eternidade de gozos ou de sofrimentos. (p.262)
A simplicidade de coração
Quantos as cruzes, é bom desejá-las somente na proporção e sob a condição de que saibas suportar bem aquelas que tens. É um absurdo desejar o martírio e não poder suportar uma pequenina injuria. O inimigo nos engana muitas vezes, inspirando-nos desejos para coisas grandes…a fim de afastar o nosso coração das presentes, que por menores que sejam, seriam para nós uma fonte abundantes de virtudes e merecimentos. (p.271)
O sacramento do matrimônio
Prouvera Deus que o seu Filho muito amado fosse chamado para todas as bodas como o foi para as de Caná; nunca faltaria o vinho das consolações e bênçãos. (p.273)
Se quereis maridos, que as vossas mulheres vos sejam fiéis, ensinai-lhes a lição com o vosso exemplo: Com que cara, diz São Gregório Nazianzeno, quereis exigir honestidade de vossas mulheres, se vós próprios viveis na desonestidade? Como lhes pedis o que não lhes dais? (p.277)
Mas vós, ó mulheres, cuja honra esta inseparavelmente aliada com a pureza e honestidade, conservai zelosamente a vossa glória,e não permitais que nenhuma espécie de dissolução empane a brancura de vossa reputação. Temei toda a sorte de ataques, por pequenos que sejam: nunca permitais que andem em volta de vós os galanteios. (p.277)
A virgindade
Ah! então conservai com toda a delicadeza de consciência todo o vosso amor para este divino Esposo, que, sendo a própria pureza, nada ama mais do que a pureza…(p.294)
Não se deve fazer caso do que dizem os mundanos
Assim que a tua devoção se tornando conhecida no mundo, maledicências e adulações te causarão sérias dificuldades de praticá-la. (p.295)
Os teus amigos, por sua vez, se apressarão a te dar avisos que supõe ser caridosos e prudentes sobre:
- a melancolia da devoção,
-a perda de teu bom nome no mundo,
-o estado de tua saúde,
-o incomodo que causas aos outros,
-a necessidade de conviver no mundo conformando-se aos outros,
E, sobretudo, sobre os meios que temos para salvar-nos sem tantos mistérios. Tudo isso são loucas e vãs palavras no mundo e, na verdade, essas pessoas não tem um cuidado verdadeiro…de tua saúde: Se fosseis do mundo, diz Nosso Senhor, amaria o mundo o que era seu; mas como não sois do mundo, por isso ele vos aborrece.
Vêem-se homens e mulheres passarem noites inteiras no jogo; e haverá uma ocupação mais triste e insípida do que esta? Entretanto, seus amigos se calam;
Mas, se destinamos uma hora à meditação ou se levantamos mais cedo, para nos prepararmos para a santa comunhão, mandam logo chamar o médico,…
Podem se passar trinta noites a dançar, que ninguém se queixa;
Mas por levantar-se na noite de Natal para a Missa do Galo, começa-se logo a tossir e a queixar de dor de cabeça no dia seguinte. (p.295-296)
Quem não vê que o mundo é um juiz iníquo, favorável aos seus filhos, mas intransigente e severo para os filhos de Deus? (p.296)
Procedamos como quisermos, o mundo sempre nos fará guerra. Se nos demoramos um pouco mais no confessionário, perguntará o que temos tanto o que dizer; e, se saímos depressa, comentará que não contamos tudo. (p.297)
Demais, para assegurar os começos de nossa devoção, é muito bom sofrer desprezos e censuras injustas por sua causa; deste modo nós nos premunimos contra a vaidade e o orgulho…(p.298)
Diferença entre o sentir e o consentir
Uma tentação, embora durasse toda a nossa vida, não nos pode tornar desagradáveis à divina Majestade, se não vos agrada e não consentimos nela…(p.300)
Apesar da perturbação geral da alma e do corpo, sempre se conserva a firme resolução de não consentir nem no pecado nem na tentação…(p.302)
É preciso resistir às tentações
Recorre assim a Deus e implora o socorro de sua misericórdia: este é o meio que Nosso Senhor mesmo nos indica nas palavras: Orai, para não cairdes em tentação. (p.309)
É preciso vencer a inquietação
Se é pelo amor de Deus que a alma procura os meios de livrar-se de seus males, os procurará de certo com paciência e doçura, com humildade e tranqüilidade, esperando este favor muito mais da amabilíssima providencia de Deus do que de sua industria, meios e trabalhos. (p.316)
Não digo que o amor-próprio pense assim; mas age com se pensasse assim. Caso não se encontre imediatamente o que se deseja, torna-se irrequieto e impaciente; e, como essas inquietações, longe de aliviar o mal, o aumentam ainda por cima, a alma é dominada por uma grande tristeza, que, perdendo ao mesmo tempo a coragem e a força, faz com que os males cresçam sem remédio. (p.316)
É preciso permanecer sereno em todos acontecimentos
Cumpre-nos, pois, conservar, no meio de tamanha desigualdade de acontecimentos e acidentes, uma igualdade contínua e inalterável do coração e, de qualquer modo que as coisas variem e se movam ao redor de nós, nós permaneceremos sempre imóveis e fixos neste único ponto de nossa felicidade, que é ter somente a Deus em vista, ir a Ele e aceitar só de suas mãos todas as coisas. (p.322)
A verdadeira devoção é uma mudança de vida
A devoção não consiste nessa suavidade nem nas consolações sensíveis e nesse doce enternecimento do coração, que o excitam as lágrimas e aos suspiros e que tornam nossos exercícios espirituais uma ocupação agradável…a devoção e as doçuras não são a mesma coisa, porque muitas almas há que, sentindo essas doçuras, não renunciem a seus vícios e, portanto, não possuem um verdadeiro amor a Deus e muito menos uma verdadeira devoção. (p.324)
A secura espiritual
Muitas vezes estas esterilidades e securas se originam de nós mesmos.
Teu coração está cheio e saciado dos prazeres do mundo; que admira, pois, que não sintas gosto para as alegrias espirituais? (p.331)
Levantam-se às vezes grandes tentações no meio das securas e esterilidades do espírito e aqui é necessário distinguir bem; porque as tentações, posto que não podem vir de Deus, devemos combatê-las continuamente; mas as securas espirituais que, segundo o plano de Deus, nos devem servir de exercício, cabe-nos sofrer com paciência. (p.338)
O coração só repousa em Deus
Ah! com demasiada ânsia vai o nosso coração atrás dos bens criados, persuadido de achar neles a satisfação dos seus desejos; mas assim que os saboreia, reconhece a impossibilidade. Deus não quer que ele ache repouso em parte alguma, como a pomba que saiu da arca de Noé, para que volte a seu Deus, de que se tem afastado. (p.354)
Viver sem vícios
Os vícios lançam (a alma) num abatimento e desolação deploráveis… Quem se dá ao vicio não vive feliz. (p.355)
O exemplo dos santos
Considera os milhares de santos confessores; com que força de espírito desprezaram o mundo! Que invencível foi a sua firmeza! nada conseguiu quebrá-la. Abraçaram sem reserva as suas resoluções e as mantiveram se exceção. (p.356)
O amor de Deus
Não duvidemos; o bom Jesus, que nos regenerou na cruz, nos leva em seu Coração…Considera o amor eterno que Deus tem tido por nós. (p.358-359)
Fonte: Filoteia.Introdução a vida devota. São Francisco de Sales.1958.